BRAITH, Beth (org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005.

Autora: Maria Francisca Mendes1
Puc-Rio - Mestrado em Educação (em curso)


        Em seu livro, Beth Braith nos convida a um passeio pelos diferentes conceitos presentes no trabalho e no pensamento de Mikhail Bakhtin, a partir de textos seus e de outros autores que se relacionam com o chamado Círculo de Bakhtin. Mikhail Mikhailovitch Bakhtin – filósofo, historiador da Cultura, Estética e Filologia – nasceu na Rússia, em 1895, e viveu o conturbado período da revolução, da possibilidade de uma nova sociedade e das impossibilidades ditadas pelo governo stalinista. Sua extensa obra é caracterizada por uma concepção dialógica da linguagem, da vida e dos sujeitos. “Como um crítico do formalismo russo, opôs à sua monotonia monológica, uma visão de mundo pluralista polissêmica e polifônica” (Freitas, 1996, p. 118).
        Os estudos contemplados em “Bakhtin: conceitos-chave” trazem uma forte vinculação das temáticas abordadas com situações atuais, procurando contribuir no entendimento das diversas concepções sobre a arquitetura bakhtiniana, nem sempre fáceis de serem compreendidas. Ato, evento, autor, autoria, ética, estilo, polifonia, palavra, tema, significação, enunciação, gêneros discursivos... situam-se entre uma diversidade de conceitos analisados.
        Dentre tantas exemplificações – textos informativos, literários, jornalísticos; propagandas, capas de revistas, manchetes, fotos; palavras... – deparamo-nos com uma análise aprofundada do atentado aos Estados Unidos, presente no texto de Adail Sobral, “Ato/atividade e evento”, onde o autor relaciona os conceitos descritos anteriormente à complexidade do ato terrorista envolvendo razões históricas, sociológicas, pessoais, religiosas, econômicas etc. (p. 31).
        Refletindo sobre o ato que, nas concepções de Bakhtin, envolve essencialmente responsabilidade ética, Sobral destaca que a posição dos EUA, enquanto símbolo do capitalismo neoliberal hegemônico, propicia “um conjunto de eventos que têm nos atentados um ato de uma série de atos praticados por sujeitos concretamente caracterizáveis (embora não individualizáveis) em resposta a outra série de atos praticados por sujeitos também concretamente caracterizáveis (e igualmente não individualizáveis), envolvendo resposta e responsabilidade” (p. 32). Sem dúvida, um dos melhores textos do livro, por situar-nos dentro da complexa realidade atual constituída pelas ações e pelos sentidos das ações humanas, em atos/eventos/atividades, que nos remetem à reflexão sobre ética.
        Sobral comparece com mais dois estudos de sua autoria: “Ético e estético: Na vida, na arte e na pesquisa em Ciências Humanas” e “Filosofias (e filosofia) em Bakhtin”. O primeiro, nos remete novamente à filosofia do ato, onde a ética também se mostrou presente, sublinhando questões como dialogismo, percepção e/ou pensamento, constituição da consciência, para explicitar a concepção bakhtiniana de estético, resultado “de um processo que busca representar o mundo do ponto de vista da ação exotópica do autor, que está fundada no social e no histórico, nas relações sociais de que participa o autor” (p. 108). O segundo, em contraposição a esse prazer pelo lido, revelou-se bastante árduo diante das inúmeras referências da dialogicidade que o autor percebe entre Bakhtin e outros estudiosos enfatizando, logicamente, os diálogos com Kant e através de Kant.
        Percebe-se um constante entrecruzar das idéias de Bakhtin nas diferentes narrativas trazidas por Beth Braith e seus parceiros de pesquisas e co-autores do livro. Braith, já na introdução, descreve o percurso enfrentado na construção da obra sobre o pensador – um glossário, sugerido inicialmente, mas depois descartado, passou a se concretizar em uma coletânea “em que alguns termos essenciais à compreensão da arquitetura bakhtiniana foram trabalhados, funcionando como uma amostra dos pilares do edifício” (p. 9).
        Beth Braith e Rosineide de Melo analisam “Enunciado/enunciado concreto/ enunciação” a partir da diversidade de definições e empregos desses termos até chegar ao pensamento de Bakhtin e seu Círculo. Logo a seguir, Braith fala de “Estilo”, relacionando-o estreitamente com dialogismo e com a atitude avaliativa do autor. As relações entre o autor e o herói também serão determinantes no estilo de um enunciado.
        Carlos Alberto Faraco nos traz “Autor e autoria”, enfatizando a posição do autor-criador, “aquele constituinte que dá forma ao objeto estético, o pivô que sustenta a unidade do todo esteticamente consumado” (p. 37). Heteroglossia, excedente de visão, relação autor/herói, autocontemplação são alguns dos pilares que dão sustentação a uma abordagem mais aprofundada sobre exotopia.
        Irene Machado refere-se aos “Gêneros discursivos” e como os diferentes usos da linguagem transformam os discursos em manifestações de pluralidade. “Ideologia”, texto escrito por Valdemir Miotello, focaliza aspectos de ideologia oficial e ideologia do cotidiano e de signo ideológico: “todo signo é signo ideológico” (p. 170). Um único termo, “Palavra”, nos é oferecido e desmembrado através dos estudos de Paulo Rogério Stella, ao construir uma reflexão fundamentada nas quatro propriedades definidoras da palavra: “pureza semiótica, possibilidade de interiorização, participação em todo ato consciente, neutralidade” (p. 179).
        Paulo Bezerra discorre sobre “Polifonia” mostrando que as vozes e as consciências presentes no romance polifônico são “sujeitos de seus próprios discursos” (p. 195). E, finalmente – sem, contudo, finalizar, pois que toda obra para Bakhtin carrega em si seu inacabamento – William Cereja nos apresenta “Significação e tema” voltando à palavra e sua historicidade; e ao signo, pensando-o “não apenas no domínio da língua, mas também no domínio do discurso e, portanto, da vida” (p. 201).
        Propondo uma volta ao começo – um recomeço – desejo explicitar meu prazer maior na leitura de “Bakhtin: conceitos-chave”: a possibilidade de interagir com um Bakhtin mais próximo de meu entendimento, além de conhecer um pouco mais de Machado de Assis, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, entre outros.

Referência Bibliográfica

FREITAS, M. T. A. Vygotsky e Bakhtin – Psicologia e Educação: um intertexto. São Paulo: Ática, 1996.



NOTAS
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